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Manifestantes dos dois lados estiveram na Câmara. Foto: Bruno Zermiani

O que se temia foi confirmado na sessão de ontem (22) na Câmara Municipal de Curitiba. A maioria conservadora da casa, baseada em conceitos religiosos, atropelou a laicidade que o Estado é obrigado a ter constitucionalmente e retirou qualquer menção às palavras “gênero” e “diversidade” do projeto do Plano Municipal de Educação de Curitiba.

Acionando o discurso da “ideologia de gênero”, vereadores e vereadoras impediram que o Plano, amplamente discutido há anos pela comunidade escolar de Curitiba, fosse um instrumento de acolhimento para jovens que não se encaixam no modelo de sexualidade tido como padrão. Além disso, ao demonizarem a expressão “gênero”, impossibilitaram que o machismo fosse combatido legalmente através da escola.

Para completar, ao criarem essa polêmica, forçaram que a discussão girasse apenas ao redor da sexualidade, deixando de lado as 26 metas do Plano, que incluíam o financiamento da educação e a erradicação do analfabetismo. Resultado: 90% do tempo do debate foi gasto abordando apenas 5% da matéria do projeto.

“A escola precisa ser um espaço de acolhimento, e não invisibilizar estes debates. Essas pessoas existem e não podem ser excluídas por sua orientação sexual. Eu não acredito na má fé dos vereadores e vereadoras, mas no desconhecimento”, argumentou a vereadora Professora Josete. O debate foi acompanhado tanto por pessoas ligadas às igrejas, que defendiam a retirada dos termos, quanto por representantes de sindicatos ligados à educação e militantes feministas e LGBT, que defendiam uma educação inclusiva para Curitiba. A sessão durou mais de oito horas.

Rosani Moreira, militante da Marcha Mundial de Mulheres, também apontou a importância do debate sobre a diversidade na escola. “Se o machismo, o preconceito, o racismo e a homofobia são valores construídos historicamente, podemos desconstruí-los. Dados apontam que a evasão escolar é muito grande entre aqueles que são diferentes”, afirmou. A vereadora Professora Josete também falou sobre o papel do preconceito na evasão escolar. “Enquanto professora da rede pública municipal acompanhei a evasão de muitos alunos pela pobreza, pela violência doméstica sofrida pelas mães ou por não terem orientação sexual tida como padrão. Nós educadores, professores e família temos que ter um olhar atento para isso”, salientou.

Emendas

Ao todo, foram apresentadas 63 emendas ao projeto – 70% delas pedindo a retirada dos termos “gênero” e “diversidade”. 38 foram retiradas. Das 25 votadas, 14 foram aprovadas e 11 reprovadas. “Tiraram inclusive do texto indicações de que os profissionais da educação deveriam ser orientados para lidar com alunos que sofrem preconceitos. Isso é um absurdo. Então o professor e a professora não devem ser orientados para lidar com esse tipo de situação?” questiona Josete, que foi voz praticamente solitária na tentativa de esclarecer questões recheadas de preconceitos e desinformação.

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Josete durante a sessão que votou o PME. Ao fundo, manifestantes expõem cartazes contra o vidro. Foto: Bruno Zermiani

“Às vezes nós somos tomados pela emoção e acabamos perdendo um pouco a racionalidade”, definiu Josete ao comentar a situação na sessão de hoje, na qual ela também citou acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que enfatizam a importância da educação voltada para o respeito e para a diversidade. “Nós não podemos personalizar o debate. Não sou apenas eu que defendo isso, são várias pessoas e organizações. Quando a gente fala em sindicato, movimento sindical, tem gente aqui que se arrepia, mas eu estou falando da OEA, da ONU, instituições que eu acredito que todos os vereadores aqui consideram idôneas”, ressaltou.

Uma das poucas vitórias foi a derrubada de uma emenda, de autoria da vereadora Carla Pimentel (PSC), que pretendia retirar do texto a ideia de construção de habilidades afetivas nos estudantes. Durante a sessão, em resposta à iniciativa, Josete citou o filósofo e educador popular Paulo Freire: “A amorosidade de que falo, o sonho pelo qual brigo e para cuja realização me preparo permanentemente, exige de mim, na minha experiência social, outra qualidade: a coragem de lutar ao lado da coragem de amar”, reforçando a necessidade do afeto na superação do preconceito e da discriminação.

O PME foi aprovado em segundo turno na sessão desta terça-feira (23) e deve ser sancionado pelo prefeito Gustavo Fruet até amanhã, quando se encerra o prazo para que planos municipais e estaduais sejam aprovados.

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